14.8.10

Fazer Acreditar

Vender-se-iam. Verbalmente, fantástico. Nem tão impressionante na prática. A aridez das tardes me fazia perguntar aos meus cabelos empoeirados: quanto vale um gole de ar? A secura da relva amarelada se refletia nos meus olhos, forçados a abandonar o lilás das noitinhas arrastadas para espelhar o crepúsculo magenta quase tão obsceno quanto as histórias que me enchiam os ouvidos.
Vender-se-iam. Esse é o lema daqueles que mantêm o lugar, quase dotados da mesma bazófia de um bolchevique inconformado, insandecido pelo grosso do formol. A cidade, assim como a terra, morrera a passos largos havia anos e muitos ainda se amontoavam por um fragmento do grande cadáver. Obsceno. A resignação das noites secas e solitárias acortinava-se com a autopiedade do trabalho e nutria-se da arrogância infundada de um povo iludido.
Os crocodilos não se davam sequer ao trabalho de notar que já não havia mais espaço para bandeira alguma naquela montanha. O cume estava repleto. Decerto, não haveria também lar para desbandeirados e sua estranha necessidade de beber água. Era o faroeste de gala. Nos bolsos internos dos ternos dantescos, repousavam as pistolas, engatilhadas. Era o faroeste de gala, era terra de todos.
E de tanto ser terra de todos, terminou por ser terra de ninguém cão com muito dono morre de fome terra de ninguém. Uma terra tão imersa em leis que acabou por se tornar um antro de negligência. E tão logo alcançava-se a compreensão, as narinas estavam cheias de fumaça, poeira e medo.
Ao fim do dia, com a fuga do calor, sentia-se todo aquele laterito compactar-se no interior da mente, enrijecendo as ideias e paixões, estupidificando-as. Se pudesse romper o peito com um urro, veria uma alma alaranjada e opaca. Haveria de dar nela um banho salgado. Bem longe dali.
Era, sim, magnífica. A prova cabal de que a irresponsabilidade pode tomar contornos em vidro, concreto, aço e asfalto. Uma peça ingênua que, no presente, remetia a pouco da empáfia da igualdade que se presumia na pompa dos discursos. Fora tempo perdido. Fora um grito de socorro. Fora o sorriso de um homem bom.
E os mequetrefes, balangandãs e faraonices. O chão duro e impassível fora todo mascarado com linhas e linhas e polígonos e ângulos e arcos urbanoides modernos. Uma coisa bonita de se ver e triste de se sentir, inatas, uma vez que o lobo espreitava com a bocarra semicerrada em cada esquina. Esquina?
Fora tempo perdido. Fora porta fechada. Bati a sola encardida no rodapé, discretamente. Não pude dizer nada diferente: embriagada pela esperança tola da igualdade, acabou por cometer o pior dos crimes: o de fazer acreditar. Fin.

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