24.6.09

A Colina

Ah, eu me quebrava por aquele lugar. Quebrava mesmo.
Lá, as ruas irregulares não nos permitiam acelerar demais, mas inspiravam ideias dignas das maiores highways. Às vezes, tinha cheio de flor. De verdade, sem falsa poesia. Às vezes, tinha cheiro de desilusão.
Por lá, canto algum existia sem razão. Para onde quer que se olhasse, viam-se retratos de um pretérito mais-que-perfeito recheados de remorso. No fim, as ruas todas levavam ao mesmo largo; fosse por bem, fosse por mal.
E tinha o vento. Subia a praia, uivante e veloz, e vinha ditar os ânimos lá em cima, onde vivíamos. Eu não era de reclamar: a mim agradavam bastante as músicas que ele trazia do alto-mar. E quando não vinha, reinava o silêncio, absoluto. Tão pleno que o mero pensar de qualquer revolucionário era prontamente ouvido por todos (e não tardava empautar-se nas fofocas eclesiásticas da semana).
Os pés descalços, por toda parte, perseguiam bolas e convenciam seus donos de que eram craques. E talvez os fossem, ali, naquele recanto. O nosso recanto. Os passarinhos, ao menos nos últimos tempos, amontoavam-se nos fios de energia, sempre na mesma esquina. Aquela mesma curva onde, anos antes, eu começava a me tornar humano. Talvez, inconscientemente, eu os tivesse delegado a guarda daquele santuário particular.
Vinha o frio. Como certa vez sugeriu uma amiga, já nos tempos dos azuis, o clima ameno fazia de todos melhor apanhados. Geralmente, a chuva se deixava arrastar, para pesar de nossos tênis, que lamentavam terem de se enlamear no retorno à casa. Eu não me importava tanto e até apreciava a umidade que tomava o ar: naqueles tempos, chuva ainda não me era sinônimo de bonança.
O Sol, durante nossos quatro verões, por vezes nos castigava as costas, obstinado em tomar-nos a brancura da pele. (Tudo bem. Sem mais generalizar.) As nuvens, provavelmente visando apoiar a empreitada do astro-rei, se omitiam na maioria dos dias, ao passo que davam às noites céus cheios de estrelas. Não havia muitas várzeas por onde eu andava — logo, nem tantas flores — e nossas vidas, essas sim, tinham mais amores. Isso tudo, lá na minha terra.
Terra essa que já não é tão minha. A deixei, ainda que volta-e-meia mostre minha cara por lá. E tudo continua, ao menos visualmente, do jeito que deixei. Com suas torturas disfarçadas por entre as horas e seus prazeres invisíveis, aquele canto me ensinou a emaranhar minha alma e simplificar meu tom.
E ainda querem que eu concorde sobre os tais sete dias. Como quem inspira ar puro, prefiro meus sete anos.