15.1.15

Tapete mágico

Por lá já corria alta madrugada, aqui esta somente começava.

Segue qual relógio o compasso do coração?
O do corpo físico ou da obsessão?

Na aspereza do tapete mágico, companheiro de sonho e ensaio, ia-se da luz ao fogo, da certeza ao adeus. Para além dos vidros, erguiam-se as barras da cela sob um céu ocre, cada uma delas densamente habitadas.

Será que o tempo passa por aqui?
Ou corre nos trilhos de alhures?

A mente se materializava. Era a superfície de um lago turvo. Tocou-a. As ondulações correram das margens em direção ao centro.

Se eu penso nela, ela pensa em mim?
Se ela ainda existe, devo ter minha fé?

Quero.
Como da primeira vez.
Te quero.


Visita

Numa noite assim
De tempestade assim
Vem você
No anonimato

Destrancar baús
Revirar malfeitos
Me reler inteiro
Como um livro aberto

Ora, fui assim
Desse jeito assim
Mas eu me perdi
No meu não-dizer

Não seja por isso
Em bandeja de prata
Sirvo à visita
Sutil e disfarçada
Mais um trecho da minha estrada

25.3.11

Sutil

Saberei que não sou mais humano
Quando deixar de errar
Então me deixa errar, meu bem
Tem paciência

Porque errar é humano
E ser humano
É ser amar

Transparência

E noite após noite
Um sussuro diferente
Sempre sem acordar

Vai entrando calado
Feito vento, transparente
Sem força pra despertar

É bom que saiba então
Que a mesma tez indolente
Encerra o impulso de esperar

Encerra sonhos agitados
Onde não há alma que se invente
Mas volta e meia, recorrente
Você parece figurar

17.3.11

São João

Eu sou a cruz
Eu sou a espada
A dor e a fome
Sou a morada

Eu sou morada
Eu sou o teto
Eu sou o chão
Sou São João

Os minutos passam e as paredes a cela encerram. No fundo, um balbuciar santo, protetor, segurança da jangada da vida. Um leve gotejar completa o ambiente. Ou será seu corpo uma caverna à parte?

Eu sou orgulho
Sou solidão
Sou fortaleza
Sou São João

Eu sou fraqueza
Eu sou verdade
Sou São João
Sou santidade

Ainda que lavado pelo véu d'água, se sente encarcerado. E assim, toda a grandeza se esvai: de tão pequeno, começa a crer que não havia a real fuga do cárcere — o mundo inteiro é prisão.

Eu sou a chave
Eu sou grilhão
Sou vento-sul
Sou São João

Eu sou a morte
Eu sou a vida
Eu sou ferida
Eu sou saída

Eu sou escravo
Eu sou senhor


Eu sou paixão.
Sou São João.

8.10.10

Outubros

Costumam ser farpas incômodas. Estive lendo. Queira o deus de vocês que eu vença mais esse, porque o meu me deixou alguns dias-de-padroeira atrás.

Valei-me.

Mãos Em Concha

Recolhido a um canto sem paredes do pátio, recurvava o corpo sobre as mãos unidas, criando um côncavo protetor sobre elas. As duas formavam uma espécie de concha quase cerrada, como escondesse algo cuidadosamente. Segredo.
Podia sentir ainda o escaldo do Sol, não tão estressante quanto se podia imaginar. Até mesmo aquela enganosa impressão de ouvir o som do mar ainda lhe era íntima. O tempo, esse então, nunca lhe parecera tanto uma estrada curta. Larga, mas curta.
A qualquer um, pareceria excêntrico. De fato o era, mas ninguém precisava saber. Nem mesmo fazia parte de seus planos revelar o que guardava com tanto esmero no esconderijo. E ponto final.

Segredo.

Mas, cá entre nós, eu conto. Ele tentava resguardar um visitante variável. Tentava resguardar um arisco raiozinho de Sol. Daquela mesma luz primeira da manhã.

Mas isso é segredo, hein.